Companheira em união estável tem direito à herança?
A discussão a respeito dos direitos da pessoa que vive em união estável não é recente, mas continua gerando as mais diversas dúvidas. Que uma esposa tem direito a herança, a depender do regime de bens, todo mundo sabe, visto que o ordenamento jurídico é claro com relação a isso. Mas e a pessoa que vive em união estável? A companheira tem direito à herança?
Essa é apenas uma das dúvidas que permeia a cabeça daqueles que optaram por seguir na relação como conviventes e não como cônjuges. Outras questões relacionadas à divisão de bens e direitos são comuns de serem levantadas.
Hoje vamos dar um panorama geral do tema, esclarecendo dúvidas a respeito da união estável, dos direitos da companheira, da herança, dos direitos dos filhos e muito mais, acompanhe.
O que configura união estável?
O instituto da união estável já passou por uma série de diferentes interpretações no decorrer da história, desde a completa rejeição da ideia, passando por um processo lento de tolerância e aceitação, até chegar ao status de algo merecedor de regulamentação.
O termo concubinato era atribuído às relações em que havia união entre duas pessoas sem a sua transformação em matrimônio, sendo que a palavra era utilizada com um teor pejorativo, algo que sofreu mudança nos últimos anos, caindo em desuso.
Considerando que o direito deve acompanhar as transformações sociais, a união estável ganhou maior atenção do legislador, fazendo constar inclusive na Constituição Federal.
Com isso, a união estável pode ser definida como a relação afetiva entre conviventes desde que pública, contínua, duradoura e com intenção de constituir família.
É necessário que as partes comprovem todos os requisitos e não apenas alguns deles. Se a relação é contínua, duradoura e as partes têm intenção de constituir família, mas não há publicidade, ou seja, não se apresentam à sociedade como casal, “escondem” a relação dos demais, não será possível o seu reconhecimento como união estável.
Considerando as consequências jurídicas do reconhecimento de uma união estável, o Poder Judiciário é categórico em cobrar a comprovação de todos os requisitos necessários.
Algo muito importante de avaliar são os casos em que um dos conviventes é casado com outra pessoa.
Isso porque é muito comum alguém casado “no papel” terminar o casamento sem se divorciar e nessa situação acaba instituindo relacionamento com outra pessoa, por muitos anos.
Sobre isso é importante destacar que o Poder Judiciário, via de regra, não costumava reconhecer que uma pessoa casada pudesse instituir uma União Estável concomitante ao casamento.
Falamos que não costumava porque recentemente, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, houve uma decisão inovadora nesse sentido, no qual se reconheceu uma União Estável simultânea ao casamento. Cabe ressaltar, entretanto, que essa decisão não é uma regra geral e se aplica somente àquele caso, mas abre possibilidades argumentativas e de modificação desse entendimento.
Quanto tempo deve ter?
Essa pergunta é comum e ainda há um grande engano com relação à temática. Não é preciso se preocupar com um tempo mínimo de relação para ver a união estável configurada – antigamente falava-se em 5 anos, o que não é mais válido nos dias atuais – sendo importante o preenchimento simultâneo e de forma robusta dos requisitos acima elencados.
Como comprovar união estável?
A comprovação da união estável pode se dar por muitas formas. Assim que as partes concluírem que a relação evoluiu para uma união estável, é possível se dirigir ao cartório e pedir o registro da escritura pública de união estável, documento importante para dar formalidade à relação.
Se o reconhecimento for judicial, é possível apresentar documentos diversos, além de possibilitar a oitiva de testemunhas de modo a demonstrar que aquela relação era/é pública, contínua, duradoura e com a intenção de constituir família.
Poderá ser apresentado ao juiz tudo que constituir prova ou indícios dos requisitos da União Estável.
Na hora de pensar nessas provas vale pensar em tudo que demonstre que o casal se apresentava à sociedade como se casados fossem, sem esconder a relação e mantendo uma “aparência de casamento’, que tinham a intenção de constituir família e etc.
Pode ser mensagens trocadas entre o casal, documentos e situações que demonstrem a dependência econômica entre os conviventes, fotos do casal durante o tempo mantido da relação, contas com endereço em comum (ainda que a coabitação não seja uma exigência), demonstrar que o companheiro(a) era dependente no plano de saúde, INSS, constava na declaração de imposto de renda, etc.
Toda e qualquer prova que demonstre a união será bem vinda nessa etapa.
Vale lembrar que o juiz tem livre convicção na apreciação das provas e que irá avaliar todo o conjunto probatório e não a prova isoladamente.
Companheira em união estável tem direito à herança?
Antes de mais nada é preciso considerar que os direitos de cônjuges e companheiros se aproximam em vários aspectos, havendo poucas questões que as afastem no que diz respeito a direitos. Com o reconhecimento constitucional da união estável, uma série de outras conquistas vieram em seguida.
Com relação a herança, sim, a companheira em união estável tem direito a ela, mas é preciso fazer uma diferenciação entre a condição de herdeira e de meeira. Caso os conviventes não optem expressamente por um regime de bens diferente, será aplicado às Uniões Estáveis o regime da comunhão parcial de bens, ou seja, tudo que for adquirido pelo casal na constância da união estável será de ambos, no percentual de 50% para cada.
Imagine a situação de Eduardo e Mônica, conviventes que não regularizaram sua situação judicial, nem extrajudicialmente, aplicando então o regime de bens da comunhão parcial de bens. Na constância da união eles compraram um apartamento e dois automóveis, sendo esse o patrimônio comum do casal. Eduardo tinha um filho da relação anterior e um filho com Mônica.
Eduardo vem a falecer, deixando além do patrimônio comum um terreno que comprou antes de conhecer Mônica, mas que optaram por não usá-lo por conta do estresse de uma construção. Essa situação terá diferentes desdobramentos, a começar pela divisão do patrimônio comum.
Ainda que não fosse cônjuge, mas companheira de Eduardo, Mônica terá direito à meação dos bens adquiridos em conjunto, ou seja, 50% do apartamento e dos dois automóveis, figurando nessa situação como meeira.
Com relação ao terreno adquirido por Eduardo antes de se conhecerem, Mônica será herdeira, juntamente com os filhos de Eduardo – segundo entendimento recente do STJ. Nessa situação é possível notar como uma companheira pode ser herdeira do seu convivente.
Diferenças entre união estável e casamento no direito à herança
Quando falamos de herança e seu impacto nos casamentos e uniões estáveis, o primeiro ponto a ser considerado é a regulamentação da situação. Os cônjuges possuem sua relação devidamente registrada, produzindo efeitos jurídicos desde a assinatura das partes e do juiz de paz, o que muitas vezes não ocorre com os conviventes.
O número de uniões estáveis registradas ainda é muito menor do que as uniões estáveis fáticas, isso porque as pessoas não costumam se preocupar com o registro dessa relação afetiva, parando para analisar a situação apenas quando algo acontece.
Com isso, na hipótese de morte de um companheiro, a diferença maior entre os dois institutos é que o cônjuge não precisará se preocupar em “legalizar” a relação, diferente do convivente. Se não havia o registro da união estável, a(o) companheira(o) deverá ingressar com a ação de reconhecimento de união estável, com o fim de regularizar a situação e pleitear o que lhe é direito. Se for devida uma pensão por morte, por exemplo, o INSS não contempla a convivente viúva sem a união estável reconhecida, sendo necessária a demonstração inequívoca da União Estável..
Regimes de bens
Quando se celebra o matrimônio, as partes podem escolher livremente o regime de bens que prevalecerá na relação, sendo que o nosso ordenamento jurídico traz algumas opções para os cônjuges, sendo elas:
Comunhão Parcial de Bens
Conhecido também como regime legal, visto ser o regime aplicado caso o casal não opte por um diferente. Aqui há três tipos de patrimônio, os individuais de cada um dos integrantes da relação amorosa e o patrimônio comum. Bens adquiridos antes do casamento são individuais. Os adquiridos depois não, pois há presunção de esforço comum, por isso tudo que o casal adquirir após o início da relação será considerado de ambos e quando da divisão, caberá 50% para cada um.
Comunhão Universal de Bens
Aqui encontramos o acervo patrimonial total do casal como patrimônio comum, ou seja, será composto pelos bens de ambos os cônjuges ou companheiros, independente de quando o bem foi adquirido. Nesse cenário, não há que se falar em patrimônio individual, pois tudo que é de um, também é do outro.
Separação Total (ou convencional) de Bens
Aqui não há patrimônio comum do casal, sendo que cada cônjuge/companheiro será responsável por seus bens individuais, não importando se foram adquiridos antes ou depois do casamento. Quando do fim da relação, cada qual sai com seus bens, sem maiores problemas.
Separação Obrigatória de Bens
Esse regime será automaticamente imposto às partes, mas segue a mesma linha de raciocínio da modalidade de separação total, ou seja, cada cônjuge ou companheiro entra e sai da relação com seus próprios bens, não há patrimônio comum. A modalidade é obrigatória para os maiores de 70 anos de idade, para quem precisa de autorização legal para se casar e na hipótese de um dos cônjuges não ter realizado a separação de bens de uma relação anterior.
Participação Final nos Aquestos
Aqui há uma mistura de modalidades, é uma junção da separação total de bens e a comunhão parcial de bens. Ocorre que o regime aplicado durante a relação é o da separação de bens, mas caso o casal venha a se divorciar, aplica-se o regime da comunhão parcial de bens. A regra aqui é a união com relação aos ganhos e divisão das perdas.
O regime geral aplicado na união estável também é da comunhão parcial de bens, mas um contrato escrito entre os companheiros pode mudar esse regime e definir o que melhor se encaixar na realidade das partes.
Ordem sucessória na herança
O que é Ordem sucessória?
Quando do falecimento de um familiar que deixou bens e direitos, é preciso se atentar à chamada ordem sucessória, que nada mais é que a ordem de preferência dos herdeiros da pessoa falecida.
Significa dizer que alguns entes terão preferência na sucessão se comparados a outros, como filhos e cônjuge/companheiros.
Quem tem prioridade?
A prioridade na sucessão será sempre dos filhos da pessoa falecida, em concorrência com o cônjuge/companheiro. No exemplo narrado nos tópicos anteriores Mônica e os dois filhos de Eduardo terão preferência na sucessão.
Caso não haja filhos, o cônjuge/companheiro irá concorrer com os pais da pessoa falecida, sendo que no caso de falecimento destes, o cônjuge/companheiro herdará tudo sozinho.
A quais bens a companheira em união estável tem direito?
Bens comuns
Como já destacado anteriormente, tudo dependerá do regime de bens adotado pelas partes. Se a união estável não foi precedida de um documento escolhendo o regime de bens a ser adotado, o regime aplicado será o da comunhão parcial de bens.
Nesse cenário, a companheira terá direito a 50% do patrimônio comum, tendo em vista que figura como meeira. Se o regime for da comunhão total de bens, terá direito a 50% de todo o patrimônio do casal, não apenas o adquirido após o início da relação. Na hipótese de o regime de bens ser da separação de bens, obrigatória ou não, não há que se falar em patrimônio comum.
Bens particulares
Com relação aos bens particulares, é indispensável também analisar o regime de bens, se o escolhido for a comunhão parcial, a companheira concorrerá com os demais herdeiros com relação ao patrimônio particular da pessoa falecida. O mesmo ocorrerá na hipótese de separação total de bens, a companheira será herdeira, juntamente com os descendentes ou ascendentes, mas não será meeira, visto que não há patrimônio comum.
Quanto a companheira em união estável tem direito a receber?
Essa pergunta envolve uma série de variáveis, sendo possível determinar com exatidão a parte que caberá a companheira apenas se analisado o caso concreto. Mas de modo geral, é preciso se atentar, mais uma vez, ao regime de bens adotado.
Na hipótese de o regime ser o da comunhão parcial de bens – regime legal aplicado às uniões estáveis – a companheira terá direito a metade de todo o patrimônio comum – 50% – e concorrerá com os demais herdeiros com relação aos bens particulares do falecido. No exemplo narrado nos tópicos anteriores, Mônica terá direito a 50% do patrimônio comum e concorrerá com os dois filhos de Eduardo no restante do patrimônio, sendo 33,33% na divisão do terreno e mais 16,5% do patrimônio comum (além dos 50% que já possuía como meeira).
Se o regime fosse da separação total de bens, como não há patrimônio comum, não haverá também meação, mas a companheira irá concorrer com os demais herdeiros com relação ao patrimônio do falecido, podendo ser os descendentes ou ascendentes – salvo na separação obrigatória.
Qual a diferença entre herança e meação?
Quando as partes vivem em união estável sendo regidos pelo regime da comunhão parcial de bens, todo o patrimônio adquirido após o início da relação será considerado bem comum, o que significa dizer que metade do patrimônio é de propriedade de um cônjuge e que a outra metade é do outro, como em um condomínio. Assim, após a separação ou no caso de morte, cada um será considerado meeiro, e terá reconhecido o seu direito a 50% desse patrimônio comum.
O direito à meação é inerente à constituição do patrimônio comum, se a parte resolver romper a relação ou o companheiro faleça, a outra parte terá direito a metade de todo o patrimônio constituído em conjunto, essa é a meação.
A herança é diferente, ela só existe com o evento morte e é destinada aos herdeiros, não haverá divisão da meação, por exemplo, que será resguardada à parte que lhe pertence.
Direito à herança recebida pelo falecido
O bem recebido de herança pelo falecido passa a integrar seu patrimônio particular, com isso, após seu falecimento a companheira terá direito aos bens particulares como herdeira e não como meeira, em concorrência com os descendentes, caso haja, ou ascendentes.
Cabe ressaltar aqui que há diferença importante entre patrimônio herdado e o fruto do patrimônio herdado, pois o companheiro ou cônjuge sobrevivente terá direito à meação desses frutos.
Bens em nome da companheira entram na partilha da herança?
Primeiro é preciso pontuar que não há herança de pessoa viva. Se havia patrimônio comum do casal em nome da companheira, sendo no regime da comunhão parcial, esses bens devem compor a partilha.
Ex-companheiros têm direito à herança?
A lei é clara nesse sentido estipulando que só terá direito a herança o cônjuge se não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
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