Paternidade socioafetiva: entenda o que é
Ser pai é uma das grandes dádivas da vida.
Não é à toa que muitos homens desejam ser pais apesar da imensa maioria acreditar que é um sonho especialmente das mulheres, em relação à maternidade.
O sonho de constituir uma família e, por sua vez, criar e educar um ser humano desde o nascimento até a fase adulta é muito almejado por diversas pessoas.
Assim, pode-se imaginar que o começo da realização desse sonho aconteça com a gestação, o acompanhamento de todo o desenvolvimento gestacional e, posteriormente, o tão sonhado nascimento do bebê e o registro de nascimento, com a declaração de paternidade para a certidão de nascimento a ser emitida pelo cartório.
É claro que esse cenário não corresponde à história de grande parte das famílias brasileiras. Como sabemos, aliás, que existem muitas crianças que infelizmente não são registradas pelos pais, restando em seus registros apenas o nome da mãe.
Essa e outras realidades fizeram com que o conceito de família mudasse ao longo da evolução da sociedade e, com isso, se fez necessário o reconhecimento de outros formatos de entidades familiares, dentre elas aquelas que se formaram a partir do vínculo emocional e afetivo desenvolvido entre crianças e seus cuidadores, grande parte das vezes pessoas com as quais a criança não possui qualquer vínculo biológico.
Nesse cenário, surgiu a discussão do reconhecimento da paternidade socioafetiva, exercida, em geral, por padrastos e companheiros das mães. Você sabia disso?
Trata-se de uma ampliação do ordenamento jurídico do conceito de família tradicional, no qual permite uma criança ter um pai, quando não houver registro de paternidade biológico, ou, ainda, ter dois pais, quando há intenção do pai socioafetivo de registrar a criança. Ambas as situações geram direitos e deveres.
Considerando a importância do tema, elaboramos um artigo completo sobre a paternidade socioafetiva, não deixe de conferir.
O que é a paternidade socioafetiva?
A paternidade socioafetiva nada mais é do que o reconhecimento do parentesco por conta da afinidade existente entre um pretenso pai e a criança por ele cuidada.
Durante muitos anos, a paternidade foi conhecida como o vínculo biológico entre o pai, genitor de uma criança, e o filho. Ou seja, o vínculo entre eles era estritamente sanguíneo.
Com o vínculo biológico reconhecido, seja por registro em certidão de nascimento seja por reconhecimento de paternidade judicial, mediante realização de exame de DNA, os deveres oriundos da relação de parentesco automaticamente passam a existir, assim como os direitos do filho, como em relação ao sustento, educação, vestuário, condições dignas de sobrevivência, vida digna, saúde e etc.
Por outro lado, com o advento da Constituição Federal de 1988 e outras legislações infraconstitucionais que foram publicadas na sequência, passou-se a reconhecer que as relações familiares sofreram grandes alterações.
Podemos citar como exemplos o reconhecimento da família composta por casais homossexuais e da chamada multiparentalidade que foram grandes episódios marcantes no que se refere ao Direito das Famílias.
A partir de então, tornou-se questionável se a relação de parentesco existe somente em razão do vínculo biológico. Será que sim?
Pois bem, não há dúvidas que muitas famílias carecem da presença do pai biológico. São inúmeras crianças que não possuem esse registro na certidão de nascimento.
Aliás, apesar das evoluções trazidas pelo empoderamento feminino e pela conquista dos direitos das mulheres, a sobrecarga no cuidado e responsabilidades com o filho permanecem em maior parte sobre elas, mesmo no caso em que há o registro paterno na certidão de nascimento.
Nesse ponto surge a discussão sobre o exercício responsável da paternidade, que tanto falamos quando discutimos direito a alimentos, regulamentação de visitas e guarda compartilhada, por exemplo.
Bem, a necessidade de inserção das mulheres no mercado de trabalho trouxe a elas o reconhecimento de uma série de direitos que antes só eram reconhecidos aos homens.
Essa alteração do lugar ocupado pelas mulheres na sociedade implicou, inevitavelmente, na modificação das relações afetivas estabelecidas por essas mulheres e, consequentemente, na maneira como todas as pessoas passaram a se relacionar.
As relações amorosas passaram a ser distintas, não se sustentando mais por simples dependência econômica ou por manutenção do status quo da mulher na sociedade.
O divórcio e as chamadas mães solos passaram a ser uma realidade para qual não se pode fechar os olhos, assim como a constituição de novas famílias, que, portanto, mereciam reconhecimento no ordenamento jurídico e perante a sociedade brasileira.
Dessa forma, é comum ver famílias formadas a partir de uma União Estável, ou por mães solos em seus novos relacionamentos amorosos, e famílias que, após o fim do relacionamento conjugal, seja pelo divórcio ou seja pela viuvez, começaram a contar com a presença de padrastos, madrastas, entiados e entiadas e com a formação de novos vínculos afetivos.
Com isso, questionamentos acerca da paternidade socioafetiva passaram a ser frequentes. O que é ser pai? Pai é quem cria? Pai é quem tem afinidade com a criança? Pai é somente biológico?
E por meio das inovações legislativas que acompanharam o avanço da sociedade, houve reconhecimento da paternidade socioafetiva, com direito ao registro na certidão de nascimento da criança.
O reconhecimento da paternidade socioafetiva impõe ao novo pai o surgimento de todos os direitos e deveres do pai biológico, é o reconhecimento legal das relações fáticas existentes nas famílias. A relação afetiva é o elemento primordial para o reconhecimento deste direito.
Não podemos deixar de mencionar que se cuida de um direito que visa o melhor interesse da criança ou adolescente, permitindo, inclusive, que uma criança que não possua pai registrado passe a ter o reconhecimento legal da existência de um familiar com tamanha importância para o seu desenvolvimento.
Mas não é só isso, o reconhecimento de tais realidades fáticas visam proteger direitos patrimoniais, a fim de evitar grandes prejuízos, como exclusão ao direito à herança e aos alimentos.
Recentemente, por exemplo, veio ao conhecimento público os problemas que a “filha de criação” do finado cantor Agnaldo Timóteo estaria enfrentando com o patrimônio deixado por seu pai.
Como funciona a paternidade socioafetiva?
A partir de novembro de 2017, além do reconhecimento judicial, é possível solicitar o registro da paternidade socioafetiva diretamente em cartório de registro civil de pessoas naturais.
O Provimento n° 63 do Conselho Nacional de Justiça tornou possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva extrajudicial, ou seja, diretamente em Cartório de Registro Civil.
Para tanto, algumas regrinhas devem ser observadas.
Em um primeiro instante, é importante saber que além do pedido, devem estar reunidas as provas de que existe, de fato, afinidade entre o pai socioafetivo e o filho, dando-se abertura a um procedimento administrativo perante o cartório.
Mas vamos aos requisitos para pedido extrajudicial, em conformidade com o Provimento 63 e 83, este que alterou o primeiro provimento em parte, ambos do CNJ:
- O reconhecimento voluntário da paternidade (ou maternidade) será possível em cartório para pessoas maiores de 12 anos de idade (art. 10);
- O filho socioafetivo deve consentir com o reconhecimento da paternidade se menor de 18 anos (§4°, do art. 11);
- A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente (art. 10-A);
- O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida (§2°, do art. 10-A);
- A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo (§3°, do art. 10-A);
- O requerente deve ser maior de 18 anos de idade e não pode ser parente impedido legalmente;
- Os pais biológicos devem autorizar o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Na ausência de um, deverá ser submetido ao juiz competente para apreciação do pedido; e,
- O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal (§ único, do art. 13).
Quando não forem cumpridos os requisitos expostos ou quando existir discussão sobre algum dos elementos requisitados pelo cartório, o pedido deverá ser judicial.
Quem pode pedir o reconhecimento da paternidade socioafetiva?Como pedir o reconhecimento da paternidade socioafetiva?
Podem requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, judicial ou extrajudicialmente, quem:
- For maior de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.
- Não for irmão nem ascendente do filho socioafetivo;
- O pretenso pai ou mãe deverá ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.
Lembrando que as regras são em conformidade com o provimento 63, do CNJ. E, segundo o §1°, do art. 10:
§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.
Por isso, a partir do reconhecimento efetivo da paternidade socioafetiva, deve-se ter em mente que a revogação é medida excepcionalíssima, não sendo destituída em qualquer situação.
As mesmas regras valem para o pedido judicial.
Regras para reconhecer a paternidade socioafetiva
Para o reconhecimento da paternidade socioafetiva via cartório, o suposto filho socioafetivo deve ser maior de 12 anos de idade. Além disso, os requisitos do Provimento 63, do CNJ, devem ser atendidos, como:
- O reconhecimento voluntário da paternidade (ou maternidade) será possível em cartório para pessoas maiores de 12 anos de idade (art. 10);
- O filho socioafetivo deve consentir com o reconhecimento da paternidade se menor de 18 anos (§4°, do art. 11);
- A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente (art. 10-A);
- O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida (§2°, do art. 10-A);
- O requerente deve ser maior de 18 anos de idade e não pode ser parente impedido legalmente;
- Os pais biológicos devem autorizar o reconhecimento da paternidade socioafetiva. Na ausência de um, deverá ser submetido ao juiz competente para apreciação do pedido; e,
- O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal (§ único, do art. 13).
Quando o suposto filho socioafetivo for menor de 12 anos, o reconhecimento deve ocorrer necessariamente pela via judicial. Os requisitos subjetivos são os mesmos que os constantes no Provimento do CNJ.
Percebe-se que a maior prova para reconhecimento da socioafetividade é a afinidade entre o requerente e o suposto filho. Então, mensagens, ligações, fotos e testemunhas podem ser fundamentais nesses processos.
Duração do processo para reconhecer a paternidade socioafetiva
A duração do processo de reconhecimento da paternidade socioafetiva depende de cada situação em concreto.
Quanto ao procedimento extrajudicial, em geral é mais rápido, mas irá depender das provas levadas ao cartório e do cumprimento dos requisitos do Provimento do CNJ.
Em geral, pode levar poucos dias ou meses para concluir.
Já o judicial é, em regra, mais demorado, pois existem uma série de fases processuais que devem ser cumpridas, até nos procedimentos voluntários, de modo que o juiz competente irá analisar os requisitos e documentos levados ao conhecimento do juízo para finalmente decidir pelo reconhecimento da paternidade socioafetiva.
Pode levar de um a alguns anos o processo judicial e tudo dependerá, ainda, da região do Brasil que está tramitando a ação.
O que muda com a paternidade socioafetiva reconhecida?
O reconhecimento da paternidade socioafetiva traz alguns efeitos:
- Inclusão do sobrenome do pai socioafetivo no registro civil do filho, se assim for desejado;
- Inclusão do registro civil da paternidade socioafetiva;
- Surgimento das obrigações e direitos legais para com o filho, como o deve de cuidar e zelar pela saúde, educação, vida, lazer, vestuário, bem-estar psicológico, livre de violência, criação, pagamento de pensão, se houver separação entre a mãe biológica e o pai socioafetivo, regulamentação de convivência familiar e até mesmo guarda.
Vale ressaltar que a paternidade socioafetiva não é revogável, salvo situações de fraude, conforme vimos anteriormente.
Por isso, cuidado. Tenha certeza de que o reconhecimento é sua decisão final.
Direitos e deveres na paternidade socioafetiva
Nos termos mencionados, a partir do reconhecimento da paternidade socioafetiva, direitos e deveres surgem. Explicamos.
Pai
O pai passa a ser responsável também pelo exercício do poder familiar, ou seja, deve cumprir as obrigações oriundas da relação de parentesco como se biológico fosse, sem distinção.
Deverá zelar pelo bem-estar do filho, saúde, sustento, segurança, educação, vida digna, desenvolvimento adequado, preservação da saúde e criação livre de violência e etc.
Do mesmo modo, passa a ter direitos relacionados à guarda e convivência familiar, ou seja, os direitos de manter a afinidade e relação afetiva com o filho são assegurados juridicamente.
Filho
Do mesmo modo, o filho passa a ter obrigações e direitos em relação ao pai socioafetivo.
Então, tem direito aos alimentos e à convivência familiar com o pai.
Porém, quando alcançar a fase adulta, passa a ter responsabilidade com o pai, principalmente quando houver necessidade de auxílio financeiro, psicológico e etc.
Pensão alimentícia na paternidade socioafetiva
Após o reconhecimento da paternidade socioafetiva, o pai tem obrigações em relação ao filho e ao seu sustento.
Assim, se a mãe se separar do pai socioafetivo, o filho tem direito à pensão alimentícia, direito este decorrente da relação familiar reconhecida voluntariamente.
Do mesmo modo, o pai biológico poderá pleitear que os alimentos sejam prestados, em parte ou integralmente, pelo pai socioafetivo, a depender da capacidade econômica de ambos.
Herança na paternidade socioafetiva.
Importante saber que maiores de 18 anos também podem obter reconhecimento da paternidade socioafetiva, sendo dispensada a anuência dos pais biológicos nestes casos.
Assim, tanto o reconhecimento para menores quanto maiores de idade, o direito de herança passa a existir.
O patrimônio deixado pelo pai socioafetivo falecido, incluindo ativos e passivos, deverá ser dividido entre os herdeiros, sendo que o filho socioafetivo será um dos herdeiros necessários, ou seja, presume-se detentor do direito à herança.
Agora você sabe tudo sobre paternidade socioafetiva e se tiver alguma dúvida, não deixe de buscar um profissional especialista para lhe auxiliar.
Tem alguma dúvida? Deixe seu comentário, será um prazer lhe orientar.
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